A convivência
familiar é um direito fundamental, estabelecido no art. 227 da Constituição
Federal e no 4º do ECA, que deve ser assegurado pela família, sociedade e pelo
Estado a todas as crianças e adolescentes, como seres em desenvolvimento.
Em atenção a esse direito, o Código Civil de 2002, dentre as suas inovações relativas ao conceito de família e a sua democratização com igualdade jurídica entre homens e mulheres, passou a prever a possibilidade de estipulação de uma guarda compartilhada, posteriormente definida como “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”.
De fato, apesar do reconhecido direito à convivência familiar, apenas com a edição da Lei n. 13.058/2014 – que promoveu alterações em alguns dispositivos do Código Civil – essa modalidade de guarda tornou-se regra do sistema jurídico brasileiro. Nesse sentido, sempre que ambos os genitores se encontrarem aptos a exercer o poder familiar, passou a ser aplicada a guarda compartilhada, referendando o intuito já existente de proporcionar ao menor a oportunidade de manter a convivência familiar após a separação conjugal.
Em geral, essa modalidade realmente desponta um molde de guarda mais adequado ao bem-estar dos filhos após a ruptura do relacionamento entre os pais, pois impede o enfraquecimento dos laços familiares. Nesse modelo, distribui-se, entre os genitores, os direitos e deveres do poder familiar, estabelecendo uma igualdade na tomada de decisões relacionadas aos filhos e preservando, ao máximo, as responsabilidades bilaterais.
Exatamente por ser concebida como o modelo mais adequado ao convívio familiar, conforme sedimentado no Superior Tribunal de Justiça, a guarda compartilhada não se efetivaria somente em duas situações: quando não houver interesse de um dos pais ou quando um deles não for capaz de exercer o poder familiar. Por essa razão, para o afastamento da aplicação da guarda compartilhada, as referidas hipóteses deverão ser enfrentadas e reconhecidas pelo juízo competente na análise do caso concreto.
Em outras palavras, mesmo em relações conflituosas entre os genitores (nas quais preponderem pouco diálogo e desavenças), não se justifica o imediato afastamento da aplicação da guarda compartilhada, tendo em vista que é sempre possível esperar ajustes entre os pais em prol do melhor interesse do menor.
Nesse sentido, em julgamento da lavra da Ministra Nancy Andrighi, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a guarda compartilhada deve ser vista como regra e não apenas uma possibilidade dependente de convívio amistoso entre os pais. Isso porque, “a inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente porque contrária ao escopo do poder familiar, que existe para a proteção da prole”.
Portanto, traçando um paralelo com a Lei Maria da Penha, especialmente nos casos de concessão de medida protetiva de urgência que restrinjam o contato entre os genitores, observa-se que, mesmo nas hipóteses de violência doméstica contra a mulher, não há que se falar em restrição ou suspensão do convívio dos filhos com o pai, exceto nos casos de indícios ou episódios que desabonem a conduta deste pai em relação aos seus filhos.
Insta observar que a Lei Maria da Penha, Lei n. 11.340/2006, estabelece diversas medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor (art. 22), mas apenas uma delas possui o condão de atingir o direito à convivência familiar relativo aos filhos menores: “restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores” (inciso IV), situação sempre condicionada à oitiva da “equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar”.
Ora, embora a medida deferida para a proteção da mulher possa impedir que o agressor se aproxime dela – ou que entre em contato telefônico ou por quaisquer outros meios de comunicação disponíveis –, o sistema jurídico normativo também garante aos menores o direito de conviver com o seu genitor (agressor ou não). Logo, diante desse conflito de interesses – garantia da integridade da mulher x direito de convivência familiar –, deve ser utilizado o princípio do melhor interesse do menor.
Afinal, é necessário que os genitores entendam, de uma vez por todas, a diferença entre a conjugalidade – caracterizada pelo “relacionamento entre dois adultos unidos por laços afetivos e sexuais, criando, portanto, o subsistema conjugal” – e a parentalidade – que surge “com a inclusão de um filho ao sistema familiar, exigindo do então casal o desenvolvimento de novas tarefas, voltadas à proteção, ao sustento e à educação dos filhos, formando, então, o subsistema parental” (JURAS, Mariana; COSTA, Liana, 2016).
Isso significa que a conjugalidade pode ser dissolvida pela decisão dos adultos em encerrar o vínculo havido entre eles, ao passo em que a parentalidade é indissolúvel, tendo em vista que os laços entre pais, filhos e irmãos devem subsistir, independentemente da configuração familiar, mesmo na hipótese de dissenso entre o ex-casal.
Verticalizando essa questão para o debate “medida protetiva de urgência x guarda compartilhada”, percebe-se a necessidade de que os genitores, envolvidos nessa problemática, alcancem uma postura madura de separar os conflitos havidos entre si, priorizando o exercício da parentalidade, de forma a proporcionar um ambiente harmonioso e saudável, que blinde os filhos das questões conjugais.
Por esse motivo, nos casos em que a mulher – inclusive a resguardada sob o manto da medida protetiva decorrente da violência doméstica –, cria entraves à visitação paterna, impedindo que a convivência entre pai e filhos aconteça de maneira saudável e pacífica, pode restar configurada uma alienação parental. Isso porque, a Lei n. 12.318/2016, dentre as suas diversas hipóteses exemplificativas, prevê como alienação parental as situações de “dificultar contato de criança ou adolescente com genitor” e de “dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar”. Tais situações constituem abuso moral contra os menores e conduzem, inclusive, à concessão de medidas provisórias para o genitor, que assegurem o seu direito de convívio ou efetiva reaproximação com sua prole.
Pelo exposto, há de se concluir que o rompimento da conjugabilidade – em especial daquela repleta de conflitos e acompanhada de agressões que culminam em medidas restritivas de proteção à mulher –, não encerra a parentalidade entre pais e filhos, não afasta o direito de visita e não tem o condão de suprimir o direito à convivência familiar, salvo em situações excepcionais que demandam prévia avaliação multidisciplinar.
Como citar esse texto: ALBAN, Rafaela; BAPTISTA, Helen. Convivência familiar e medida protetiva: um necessário equilíbrio em prol do melhor interesse do menor. Disponível em: <www.rafaelaalban.adv.br>. Publicado em: 11 ago. 2020.
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